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Porque o destino das empresas de ônibus de Campo Grande é a falência.

Recentemente o Consórcio Guaicurus reduziu a operação da linha 314 (Albert Sabin - Centro), a linha operava integralmente, de domingo a domingo do período da manhã até o fim da noite, hoje a linha opera somente nos horários de pico da manhã e da tarde nos dias de semana e no pico da manhã de sábado. A justificativa: baixa demanda. De fato era bem nítido que a linha carregava pouquíssima gente e segundo dados de 2010, uma das linhas com menor demanda da cidade. Linhas deficitárias fazem partem de todo sistema de transporte coletivo, por conta disto existe o chamado subsídio cruzado, a empresa tem o direito de operar linhas com grande demanda e que dão muito lucro para compensar os gastos das linhas que dão prejuízo. Mas porque a redução de partidas da linha 314 é um sintoma de um sistema que está indo para o buraco? 

Veículo na linha 314, que agora, só circula em horário de pico.

Vejamos alguns dados, desde 2008 o número de passageiros transportados por dia nos ônibus de Campo Grande vem caindo, tendo sofrido uma redução de 6% de 2008 até 2014. Já a população da cidade cresceu em torno de 8,5% no período de 2007 a 2010. As melhoras nas condições econômicas do país e incentivo do governo federal para aquisição de veículos particulares poderia explicar boa parte da queda de demanda, mas comparando com dados de outra cidade, de 2008 a 2014, a demanda de ônibus em São Paulo - Capital, subiu 3%, vivendo a mesma situação econômica de Campo Grande. Ou seja, só a situação econômica está longe de explicar a queda do número de passageiros nos ônibus de Campo Grande.  

Os empresários do Consórcio Guaicurus ainda tratam os usuários como aqueles que não tem outra opção de deslocamento, que são obrigados a andar diariamente de ônibus e devem se contentar com os serviços prestados. Os próprios usuários de ônibus de Campo Grande não vêem a hora de não mais depender deste serviço e na primeira oportunidade trocar o ônibus por moto ou carro nos momentos bons da economia, ou passam a se deslocar mais a pé, de bicicleta ou mesmo deixar de se deslocar nos tempos de crise. Com isto, se perde passageiro ano a ano, e a porcentagem de passageiros que possuem gratuidade entre o total de usuários aumenta, já que neste grupo que se encontra boa parte das pessoas que não tem mesmo outra opção de deslocamento.  

Uma visão que muitos empresários não tem é que qualidade de serviço gera procura também no ramo de transporte público. Em São Paulo, os trens da CPTM tiveram um aumento muito grande de demanda depois de implementado diversas melhorias, a ponto de um sistema que era praticamente desconsiderado a algumas décadas, hoje estar tão saturado quanto o metrô. Em Porto Alegre, temos linhas executivas com frequência alta, passando em bairros com boas condições econômicas e que transportam muitos passageiros. Se o serviço for bom e confiável, as pessoas se dispõem a pagar por ele.  

Enquanto isto, em Campo Grande, as linhas de baixa demanda são cada vez mais ignoradas, o Consórcio ao invés de buscar alternativas para melhorar a procura por estes serviços, diminui cada vez mais a opção. A maioria das linhas de deficitárias em Campo Grande possui intervalos altíssimos, de 40, 60, 80 minutos. Os usuários das linhas tem dificuldade para adequar os horários de passagem do ônibus com os de sua rotina e não podem confiar em ir ao ponto esperar o ônibus sem saber exatamente o horário que ele passa. Desta forma, a tendência é tentarem cada vez depender menos destas linhas, com isto, a demanda continua caindo, tornado o prejuízo da operação dela ainda maior e "forçando" a empresa a piorar ainda mais seu atendimento. 

E se engana quem acha que nas linhas de alta demanda as coisas são melhores. O Consórcio Guaicurus hoje busca economizar cada vez mais nelas também, troca ônibus articulado por convencional, troca os convencionais de médio porte por de pequeno porte, diminui número de reforços, entre outras coisas, medidas que causam superlotação, economia em detrimento do conforto do usuário. Ou seja, mesmo para quem depende de linhas de boa demanda e com bons intervalos, a situação é complicada em Campo Grande. No fim da contas, o Consórcio perde tanto os passageiros que dependem das linhas deficitárias, como aqueles que dependem das linhas lucrativas.  Os efeitos vão sendo sentido no decorrer do tempo, mas os sinais já deixam claro que a médio prazo, é bem provável que a operação de ônibus em Campo Grande se tornará inviável economicamente.  

Veículo curto na linha 087, uma das principais e mais demandadas linhas da cidade, visivelmente lotado.

E quem acompanha o ramo de transporte sabe que empresas de ônibus falem,  sim. Existe grupo de empresários que se especializaram exatamente nisto, abrem uma empresa, explora o lucro ao máximo enquanto podem, depois quando começa a dar prejuízo fecha a empresa largando dívidas com funcionários e credores, fato que inclusive já aconteceu em Campo Grande com a Serrana Transporte Urbano. Mesmo grupos menos especializados nestas estratégias já vêem empresas sendo fechadas por conta de fatores como os citados nesta coluna, inclusive empresas do mesmo grupo que opera hoje em Campo Grande.  


Veículo da empresa Serrana Transporte Urbano, que saiu da cidade em 2012, cheia de dívidas trabalhistas.

Em nossa cidade o transporte hoje ainda é bastante lucrativo, as empresas de ônibus inclusive montaram todo um teatro com o ex-prefeito Nelson Trad para garantirem mais 20 anos de operação por aqui, o que deixa claro que ainda rende muito, mas mantendo este nível de operação, os lucros vão ser cada vez menores, a qualidade do transporte cada vez pior, a tarifa cada vez maior e quem vai sentir na pele esta lenta agonia serão os passageiros.  


Complemento 
Os erros da linha 314.

A linha 314 citada na coluna é um exemplo que não só o sistema ruim, mas a falta de planejamento e estudo da Agetran e Consórcio Guaicurus causam prejuízos. A linha 314 possui um trajeto muito semelhante a 303 (Bonança), atendendo a mesma região e em sua maior parte passando 3 quadras de distância uma da outra no bairro. Boa parte da região atendida pela 314 também é atendida pelas linhas 301 (União/ Oliveira) e 326 (Taveirópolis/ União). De fato há um excesso de oferta de linhas no Taveirópolis, ainda assim os moradores do Taveirópolis devem saber exatamente o horário de cada linha para decidir em qual ponto esperar o ônibus, já que no bairro, 303 e 314 não compartilham pontos.  As 4 linhas citadas são linhas antigas, que mantém quase o  mesmo itinerário criado na década de 90. Desde então muita coisa mudou, inclusive surgindo novas vias de acessos para os bairros. Hoje para se chegar do centro ao bairros União e Oliveira há a Av. Lúdio Coelho, muito mais rápida e sem passar pelo Taveirópolis, mesmo assim os ônibus ficam dando volta no Taveirópolis antes de irem para estes bairros. O ideal era redesenhar o itinerário destas 4 linhas, tornando-as mais rápidas e específicas, sendo possível aumentar a qualidade do serviço sem necessariamente aumentar a frota de ônibus. Porém o Agetran e o Consórcio insiste em manter linhas mal planejadas só que com oferta cada vez menor.   

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